No ano passado, a BBC divulgou uma lista com as 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo e o único nome brasileiro era o da jovem Alice Pataxó, de 21 anos. A ativista indígena, estudante de direito e influenciadora digital do extremo sul da Bahia defende que, com ou sem cocar, na aldeia ou na universidade, nenhum indígena deixa de ser indígena.
“Criam a ideia de que se o indígena não está mais naquele espaço, ele deixa de ser indígena. Acham que ‘ele se integrou à sociedade'”, contou.
Se o estereótipo do indígena segue vivo no imaginário dos brasileiros, em sua trajetória Alice conseguiu quebrar boa parte deles. Nas redes sociais, a baiana fala sobre questões indígenas e faz publicidade de roupas; mostra sua participação em conferências no exterior e discute sobre a comunidade LGBTQIA+, da qual também faz parte; posta selfies na aldeia e mostra sua foto na capa da Glamour Brasil deste mês.
“Independentemente do processo de colonização, é preciso entender que existe diversidade dentro da diversidade”, afirma.
O resultado de não se acomodar em caixinhas é a identificação dos jovens – autodeclarados indígenas ou não – e uma revolução neste estereótipo do indígena que vive na aldeia, descalço, isolado do mundo urbano.
Alice passou a morar em aldeias aos oito anos, quando a mãe, formada em pedagogia, decidiu dar aulas para a comunidade de Araticum, em Santa Cruz Cabrália, no extremo sul da Bahia.
O choque de trocar o centro de Eunápolis – também no extremo sul baiano – pela vida próxima da natureza logo foi substituído pelo prazer de crescer livre e lado a lado aos conhecimentos da comunidade.
Pouco tempo depois, ela e a família se mudaram para a aldeia Craveiro, em Prado (extremo sul). Lá foi onde Alice passou a maior parte de sua infância e adolescência, e ingressou no ativismo.
Aos 13 anos, ela entrou no Movimento Estudantil e, por volta dos 15, começou a ser mais ativa nas questões indígenas. É nesse ponto da história da jovem que o ativismo e a influência digital se encontram: ao entrar na faculdade, ela passou a ser mais ativa nas redes sociais para compartilhar fotos do “mundo fora da aldeia” com os amigos e discutir com indígenas de outras regiões.
As postagens a fizeram conhecer outros líderes e ativistas indígenas, e alcançar uma audiência de 170 mil seguidores. Apesar do hobbie ter se tornado um trabalho, Alice relata que nem tudo são flores.
“As pessoas querem ouvir minha opinião sobre muitos assuntos, mas as vezes são situações que geram gatilhos fortes para mim, como racismo”.
“O influenciador é cobrado a falar sobre isso, porque é uma espécie de obrigação compartilhar tudo o que a gente pensa”, explicou.
Apesar da dificuldade entre equilibrar os pratinhos do que deve ou não ser compartilhado na internet, Alice acredita que a rede social é uma ferramenta essencial na luta indígena: seja para quebrar os estereótipos, seja para fomentar políticas públicas.
Nas redes sociais da jovem, ela fala sobre sua comunidade, mostra curiosidades dos Pataxó e comenta discussões do ativismo, como a luta pela demarcação de terras. Em muitos dos vídeos, a jovem utiliza o sarcasmo e música pop para atingir pessoas de “fora da bolha”.
Ativismo dentro e fora do Brasil
“Costumo dizer que se eu não tivesse esperança, eu não seria ativista, porque é um trabalho de muitos sonhos e poucas realizações”, afirma.
Alice faz parte do time de embaixadores da World Wide Fund for Nature Brasil (WWF) e, em 2021, discursou na 26ª edição da United Nations Climate Change Conference of Youth (COY 26), que aconteceu em Glasgow, na Escócia.
Para ela, ainda há muito a avançar sobre a questão indígena no Brasil, a começar pelos preconceitos. Na rua, a estudante já teve acessórios e vestimentas tocados por desconhecidos, sem consentimento, e já foi acusada de mutilação por usar um adereço feito de osso no nariz.
“No Brasil é um preconceito mais escancarado, as pessoas não têm vergonha de serem preconceituosas. Elas tentam me convencer que eu não sou mais indígena”, disse.
Depois de visitar outros países, como a Escócia e a França, a estudante de Direito acredita que no exterior as pessoas são “mais curiosas” e “admiram mais” as culturas indígenas. Mesmo assim, ela está disposta olhar para o futuro no Brasil sob a perspectiva do “copo meio cheio”.
“A existência do Ministério dos Povos Indígenas é extremamente significativo, ele fortalece a luta. Agora temos uma possibilidade de diálogo maior com o nosso governo, depois de quatro anos anos sem conseguir praticamente nenhum tipo de diálogo”, afirmou.
No mês dos Povos Indígenas, comemorado neste mês de abril, Alice Pataxó deseja voltar a viver como na infância, próxima de sua cultura, em segurança e sem medo. Com ou sem cocar, na aldeia ou onde ela quiser.
FONTE/CRÉDITOS: g1 BA